segunda-feira, 20 de julho de 2009

16 de Julho - NARRADORES DE JAVÉ

O filme conta a história do Vale do Javé, uma "cidadizinha" do interior, que está prestes a ser submersa. Esse vilarejo não possui nenhum patrimônio histórico, não há nada registrado, então o povo teve a ideia de escrever um livro com a história de Javé e essa seria a única maneira de a cidade não desaparecer. Todos sabiam contar algum acontecimento que ocorreu ali, juntando um pouquinho de cada morador, se construíria a história de Javé. Mas aí se depararam com um problema: quem escreveria?
A maioria dos moradores eram analfabetos, por isso o problema de escrever os contos do povo. Antonio de Biá, era um ex-funcionário dos correios, sabia ler e era excelente contador de histórias. Ele tinha sido expulso do vilarejo, porque na época dos correios, inventava muitas coisas das vidas das pessoas. Com a condição de ser o escriba, o deixaram voltar. O escriba então, funciona como uma ferramenta manuseada pelo povo. O povo narrava as histórias e Biá as escrevia, como quando alguém que não é alfabetizado, quer mandar uma carta e pede para um outro alguém, escrever por ela. Isso é ser escriba.
Assim o papel de Biá era escrever a história de Javé, contada por seus moradores, apesar de serem muitas histórias. Biá, como escriba, tinha o papel de analisar a mais próxima da realidade da existência de Javé, para tornar a pequena cidade, um verdadeiro patrimônio histórico e cultural, montando um "suposto" livro - dossiê, para evitar a inundação do povoado.
Os moradores sabiam muito bem se comunicar, mas a forma que se comunicavam, que falavam as palavras que usavam, era um jeito característico da região, de uso coloquial. Havia muitas gírias, palavrões e palavras inventadas, que faziam parte daquele povoado, era próprio de seus dialetos. Então como se expressavam mal, Biá procurava por no papel, as letras de forma mais universal, mas sua escrita também tinha "falhas". Isso era reflexo de um não total letramento, por isso Biá "fingia" escrever o livro.
É importante realizar a diferenciação de ser Alfabetizado e ser Letrado. A pessoa alfabetizada é aquela que conhece as letras, sabe ler e escrever, mas ainda não faz com muita desenvoltura o uso social da escrita. Sabe meramente codificar e decodificar as palavras. Já a pessoa letrada é aquela que sabe ler nas entrelinhas, ou seja, tem capacidade de decodificação, de compreensão de vários materiais escritos. Sabe relacionar e integrar partes do texto, deduzir informações implícitas, de refletir sobre os sentidos do texto - captando as intenções e pistas deixadas pelo autor -, assim também como gerar mais sentidos para o texto. Concluíndo, saber o uso social das letras.
Biá, sendo praticamente o único do vilarejo que sabia ler e escrever, estava achando cômodo tal situação de escriba, sentia-se importante para o povoado, mas quando chegou em Javé os engenheiros, ele se deu conta que não era tão importante assim, pois percebeu que sem a cidade de Javé ele não era ninguém, já o povo de lá, caso Javé fosse inundada, continuariam suas vidas em outras cidades. Desta forma, a relação estabelecida entre a oralidade e a escrita, foi uma relação cercada de discussões, brigas, deboches e sobretudo, reflexão.
As práticas de letramento praticamente inexistiu durante o filme, pois somente algumas pessoas entendiam o que era realmente uma escrita científica, de valor histórico, tanto que não eram capazes de perceber que Biá não escrevia nada no livro. Os moradores, por não serem alfabetizados, não conseguiam criticar as atitudes de Biá. Por sua vez, Biá usava de seu pequeno conhecimento, para fazer o que bem entendesse com os moradores, tratava-os muitas vezes, de forma irônica e estúpida.
É necessário percebemos que ter o domínio do "ser letrado", não pode ser significado de "pedestal", mas sim deve ser um meio para que possamos aumentar a qualidade daquilo que almejamos. Como educadores, devemos refletir, compreender e aperfeiçoar nossa prática pedagógica, buscando sempre ativar os conhecimentos de nossos alunos. Muitas vezes em sala de aula, exercemos a função de escriba, no momento em que devolvemos para nossos alunos as respostas de suas dúvidas, o retorno da reeleitura de seus textos, objetivando uma reescritura, o mostrar das letras no quadro-de-giz, os diferentes tipos de textos trabalhados e explorados, para que consigamos uma turma de alunos críticos e sabedores da função social da escrita.
No filme a escrita tem função social bastante clara, pois se todos os acontecimentos daquela cidade: obras, espaço geográfico, fundação, estivesse no "papel", as coisas não teriam sido como foram, os moradores não precisariam ter tentado mostrar às pressas, que o Vale do Javé era importante.
Os moradores mal sabiam falar e muito menos escrever, assim Biá, com seu conhecimento único e "gigante", se comparado com os demais moradores, trata todos como lhe convêm e adia a escrita do "dossiê", por saber que um livro naquele momento, de nada adiantaria para evitar a inundação, pois havia algo muito mais forte e poderoso que um simples livro de fatos sobre Javé: O PROGRESSO! E este é obra do Homem.
" A narração da própria vida é o testemunho mais eloquente dos modos que a pessoa tem de lembrar". ( Ecléa Bosi )
Javé ficou somente na memória do povo.

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